... Covilhã, Braga e Viana do Castelo e há mais seguramente.
Como é que diminuindo oferta aumentando tarifas se consegue aumentar a procura e, consequentemente, obter sustentabilidade operacional e financeira?"
"Transportes públicos
Há vida para além dos aumentos tarifários?
O exemplo da Covilhã: Covibus Em primeiro lugar, há que salientar que as realidades entre Lisboa e Porto e o resto do país são diferentes, uma vez que o modelo operacional e também organizacional das empresas (principalmente as públicas) é diferente, assim como também é o modelo tarifário, que varia igualmente entre as duas cidades. Há que ter em conta a legislação e aquilo que diz o Decreto-Lei n.º 8/93 de 11 de Janeiro, diploma que, para além de prever a criação de títulos combinados de transporte entre empresas, carreiras e modos de transporte, estabelece também as condições da fixação de preços e tarifas. Se até 50 quilómetros os preços são definidos pelo Estado, acima desse valor os preços são fixados pelos operadores, medida que vale quer para o transporte rodoviário como ferroviário. No caso dos transportes coletivos urbanos, explorados diretamente pelos municípios, os preços são estipulados pela própria autarquia. Aqui inserem-se também os transportes urbanos que estão concessionados a entidades privadas, mas cujos preços estão estipulados e definidos por um contrato.
É este o caso da Covibus, empresa de transportes urbanos da Covilhã, cuja operação está concessionada à CTSA, grupo de transportes espanhol que também detém a concessão dos transportes urbanos de Vila Real. A operar há cerca de dois anos, a Covibus acabou 2011 com resultados operacionais de relevo: cerca de um milhão e oitocentos mil passageiros transportados e um aumento na procura, comparativamente com o ano anterior, de cerca de sete por cento. E entre 2009 e 2011, esse aumento foi superior a 16,5 por cento. E não houve necessidade de se aumentar tarifas…muito pelo contrário, conforme refere à Transportes em Revista o administrador da Covibus, João Queiroz Lino:«A primeira coisa que fizemos foi acabar com o sistema que existia, que era por linhas, e reestruturáramos a rede e o serviço. Não havia o conceito de serviço urbano integrado e de rede. As pessoas tinham de ter passes diferentes para andar nas diferentes linhas. O passe de uma linha tinha um custo de 56 euros. Criámos então duas coroas, uma interna e outra externa, com preços diferenciados. Esta medida permitiu-nos reduzir para quase metade o custo do passe, que passou a custar 30 euros e que permite utilizar toda a rede. Com a reestruturação da oferta e diminuição de preços tivemos logo um aumento de procura, situação que tem vindo a manter-se. As pessoas só agora estão a aperceber-se que não pagam apenas para ir “daqui para ali”. Pagam para usufruir de todas as linhas que compõem a rede». De acordo com o responsável, as empresas de transportes têm de estar focalizadas num objetivo: conseguir mais passageiros, uma vez que isso significa também conseguir mais receita. Mas como se faz isso? João Lino dá o exemplo que aplica quer na Covibus, quer na Corgobus, em Vila Real. «Cada cidade tem as suas características e é necessário “fazer o trabalho de casa”, isto é, estudar a procura. A Covilhã é uma cidade universitária e eu acredito que neste tipo de cidades é sempre possível crescer. Mas para que tal aconteça é preciso estar sempre atento às variações e características da procura. Por exemplo, há uns tempos tinha cinco autocarros a funcionar na rede noturna, entre as 19h e a 1 da manhã. Hoje, temos apenas três autocarros e estamos a transportar praticamente o dobro daquilo que transportávamos. Porquê? Porque estes cinco autocarros faziam os mesmos percursos que faziam durante o dia. E constatámos que, durante a noite, as características da procura é diferente, ou porque os alunos que estão nas residências universitárias querem ir ao “Bar dos Leões” e para a zona dos bares, ou ao cinema, ou visitar os amigos… E aquilo que fizemos foi ir à procura da procura. Por exemplo, fomos ver onde era o tal “Bar dos Leões” e vimos a quantidade de pessoas que ali vão durante toda a noite. Logo, dissemos que ali tinha de ter uma paragem de autocarro. Resultado, o primeiro autocarro da manhã, que passa no Bar dos Leões, vem quase sempre cheio». Para o administrador da empresa, é obrigatório conhecer o mercado e adequar a oferta a esse mesmo mercado. «Na Covilhã temos dois mercados perfeitamente identificados. Os jovens e os mais idosos. Quando fizemos a nossa rede tivemos de ter isso em conta e fizemos com que todas as nossas linhas tivessem três pontos fundamentais: o Hospital, o Centro de Saúde e as Universidades», refere, acrescentando ainda que «atualmente, a Covibus tem 14 linhas. Ainda não temos necessidade de aumentar, mas brevemente terá de acontecer. Estamos sempre à procura de mais clientes e estamos muito atentos a novas oportunidades que podem surgir».
Apesar de salientar que existem realidades diferentes ao nível do transporte público, entre Lisboa e Porto e o resto do país, João Queiroz Lino revela que na sua opinião existem outros caminhos que podiam ser seguidos. «Ainda não percebi muito bem algumas coisas que estão a acontecer. Existem declarações que me parecem desgarradas. Por um lado, está-se a aumentar tarifas, por outro está-se a reduzir oferta. E esta redução é feito com que base? Por exemplo, no caso do Porto, há uns anos foi feita a remodelação da rede da STCP que já existia há dezenas de anos. O que aconteceu? Surgiram imensas queixas. Isto significa uma coisa: Nada tinha sido feito nos últimos 20 anos. Então agora, de um momento para o outro, fazem-se estudos de rede num tempo recorde, corta-se na oferta e decide-se aumentar as tarifas. Porquê?». João Lino acrescenta que compreende o facto de «os aumentos permitirem resolver no curto prazo um problema de tesouraria que necessita de solução imediata» e que está diretamente ligado às empresas do setor empresarial do Estado, adiantando que acredita existirem «outras formas de obter receitas sem que tenha de ser necessário aumentar o tarifário. Uma delas passa por reduzir custos e, nesta variável, a mão-de-obra das empresas públicas terá de ser afetada. Mas quando vão fazer isso? E, se calhar, o problema não está nos motoristas…está no excesso de quadros administrativos. Mas essa situação demora mais tempo e não é imediata».Segundo o responsável «até agora, os temas no setor têm sido; baixar custos de produção, otimizar a estrutura, reordenar a oferta, mas o cerne da questão passa por saber como é que se vai conquistar mais clientes, para existir mais receita e para se crescer. E só se consegue ganhar mais passageiros se formos capazes de reinventar o serviço. Porque as pessoas não andam naquilo que não lhes serve. Penso que esta fase que estamos a travessar é uma ótima oportunidade para que o setor possa crescer e ganhar passageiros».
Os exemplos de Braga e Viana do CasteloMas a Covilhã não é caso único. Em Braga, a empresa municipal de transportes urbanos, os TUB, também não aumentaram tarifas em 2011, apostaram numa nova rede e ganharam passageiros. Segundo Álvaro Costa, da empresa Trenmo, responsável pelo estudo da nova rede «fizemos algumas alterações à rede, que começou a funcionar a 9 de maio, e fizemos também uma redefinição do tarifário. Esta remodelação teve por base a abertura do novo Hospital de Braga, que passou a ser um dos pontos centrais da rede. Por outro lado criámos uma tarifa horária, que permitiu, inclusive, que pudéssemos baixar o preço títulos de transporte». Desta forma, os títulos pré-comprados dos TUB passaram a ter uma validade máxima de tempo (anteriormente era por viagem) designadamente 1h30m para três coroas e 1h para duas e uma coroas, permitindo assim o transbordo entre linhas durante esse período. De acordo com Álvaro Costa, «os resultados surgiram quase imediatamente. Em 2011, a empresa deverá ter um acréscimo de receitas na ordem dos 2,6 por cento». Para o consultor em transportes e professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, as políticas que estão a ser levadas a cabo pelo Governo, ao nível do tarifário «estão a destruir o mercado no Porto e em Lisboa. Existem quebras acentuadas na procura nas duas cidades, mais até no Porto. Penso que este não é o caminho. Era necessário eliminar a ineficiência das empresas públicas e do próprio sistema e isso não está a ser feito». Mais a norte, em Viana do Castelo, a Transcunha, empresa que realiza o serviço de transportes urbanos da cidade, anunciou que vai manter inalteradas as tarifas em 2012. Segundo os seus responsáveis, com esta medida, a empresa pretende “promover a mobilidade, desencorajando o uso do transporte individual e incentivando as populações ao uso do transporte público”. Em Viana do Castelo, os transportes coletivos de passageiros envolvem a cobertura do perímetro urbano e das freguesias limítrofes do concelho. “Este congelamento das tarifas abrange todos os passes e pré-comprados. O que aumentará, em cinco cêntimos, será apenas a tarifa a bordo, exatamente para promover a utilização regular dos transportes públicos, sobretudo na altura de crise que o país atravessa”, explicou à imprensa regional o administrador da empresa, Ivo Cunha, que revela ainda o facto de este ser “um esforço muito grande que fazemos, até porque os preços dos Transportes Urbanos de Viana do Castelo são dos mais baratos do país, especialmente tendo em conta que a exploração urbana não é subsidiada, como acontece na grande maioria das cidades com transportes urbanos…”.
Mas estes não são os únicos exemplos. Existem mais exemplos de boas práticas por todo o país, onde aquilo que prevalece não é o aumento, mas, sim, a atualização tarifária. Estas atualizações podem ter por base os fatores que elevam o custo da operação, como por exemplo, o custo dos combustíveis ou a variação da taxa de inflação. A maior parte das empresas do setor percebe que para se ter receitas é necessário ter passageiros, e que para se ter passageiros é necessário oferecer um serviço que traga mais-valias e que seja vantajoso em relação ao transporte individual.
Entretanto, a pergunta para o Governo mantém-se: Como é que diminuindo oferta aumentando tarifas se consegue aumentar a procura e, consequentemente, obter sustentabilidade operacional e financeira?"
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