“Como veremos
adiante, se é verdade que não faltam exemplos de má governação
no passado recente, as condições que conduziram à crise começaram
a avolumar-se há duas décadas, fruto da conjugação de uma
integração europeia disfuncional, de alterações significativas no
contexto global e de
fragilidades estruturais da economia e da sociedade portuguesas. Tais
condições foram agudizadas pela crise financeira internacional de
2008 -2009, cujos efeitos se fizeram sentir em diferentes países do
mundo, mas que afetaram de modo mais acentuado economias que
apresentavam à partida maiores fragilidades. Assim sendo, é difícil
sustentar que foram essencialmente os erros das governações
anteriores – que existiram e não devem deixar de ser apontados –
que nos conduziram à crise e ao recurso à assistência financeira
externa.
Quanto à ideia de que
andámos a viver acima das nossas possibilidades, simplesmente não
se aplica à grande maioria das famílias portuguesas. De facto, em
2010, cerca de 63 por cento das famílias não tinham qualquer dívida
aos bancos ou a outras instituições financeiras. A minoria que
acede ao crédito em Portugal tem por objetivo a aquisição de casa
própria (o crédito para consumo é residual), sendo quase sempre
caracterizada por condições socioeconómicas acima da média (como
é sabido, o acesso ao crédito é tipicamente dificultado
pelos bancos quando se trata de trabalhadores de baixos rendimentos
ou precários, estudantes, pensionistas, ou famílias monoparentais
ou com desempregados). A demonstração disso é que os níveis de
incumprimento no pagamento de empréstimos por parte das famílias
têm sido historicamente reduzidos (a taxa de incumprimento aumentou
para 6,6 por cento em 2012, um valor superior aos 4,4 por cento
registados em 2008, mas ainda assim modesto).
...
A combinação da
denúncia e da proposta constitui um elemento fundamental da
intervenção do Congresso Democrático das Alternativas, no seio do
qual surgiu o projeto do presente livro. O Congresso afirma-se hoje
como um movimento cívico de intervenção política não-partidária,
que reúne cidadãos de diferentes orientações políticas, com e
sem partido, visando a construção de denominadores comuns nas
opções de política pública e nos processos de ação coletiva que
fundamentem, dêem força e credibilizem alternativas políticas de
governação. A expectativa dos autores é que este livro contribua
ainda para gerar as convergências e a mobilização cívica
necessárias para resgatar Portugal para um futuro decente.”
* "A
Crise, a Troika e as Alternativas Urgentes" - Alexandre Abreu,
Hugo Mendes, João Rodrigues, José Guilherme Gusmão, Nuno Serra,
Nuno Teles, Pedro Delgado Alves, Ricardo Paes Mamede - (Edições
Tinta da China) - Em venda com a edição portuguesa do "Le Monde Diplomatique" de Setembro.
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